Que a história pare de se repetir

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Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum 
Preâmbulo – Declaração Universal dos Direitos Humanos –

Monumento aos armenos executados em 1915 pelo império turco otomano.
Este genocídio não é reconhecido pelo governo turco, e é fonte de
grande mal estar diplomático.

Blog Action Day: Direitos Humanos

Morando há quase 4 anos no velho continente, que foi palco de duas grandes guerras que o devastaram, é impossível não ser tocado pela história que emana de monumentos, ruas, rostos marcados pelos sinais do tempo. Em todas as cidades, da maior às mais pequeninas, podemos ver ao menos um monumento que homenageia aqueles que tombaram para defender seu país. Duas vezes ao ano, veteranos se reunem, ao lado de crianças, jovens e adultos, para homenagear os que se foram para defender a liberdade. Liberdade, conceito este que é de grande fragilidade, e que por vezes é levantado como bandeira para justificar atrocidades das mais chocantes. E é importante, mais do nunca nessa era onde a comunicação flui na velocidade de um clique, onde tudo está ao alcance de todos, ser vigilante e prezar pelo trabalho de conscientização que deve ser feito no dia-a-dia, o esforço individual e coletivo para preservar as liberdades individuais e evitar que atrocidades sejam repetidas. Porque o século XX teve sua dose cavalar de atrocidades, e adentramos o século XXI cometendo os mesmos erros, aparentemente.  
Há quase um ano, visitamos o Memorial do Camp des Milles, o único campo de deportação de judeus ainda de pé na França. A iniciativa em erguer o memorial partiu dos próprios sobreviventes da Shoah, assim como dos familiares daqueles que pereceram, por respeito e para que tal atrocidade não se repita. Acontece que judeus têm sido caçados há séculos, e o início do século XX mostrou a imensa dificuldade que temos em aprender com os próprios erros. Outro exemplo: entre 1914 e 1918, cerca de 1 milhão de ciganos foram executados na Europa. Às vésperas do centenário deste genocídio, lá estão os ciganos novamente, eleitos como bode expiatório, apontados como causa de todas as mazelas atuais, expulsos aqui e acolá. Ora, muitos estão sendo expulsos do próprio país, assim como o foram os judeus franceses há 70 anos, que detinham documentos de identidade mostrando local de nascimento na França, mas com um grande carimbo de “estrangeiro”. 
Pois é justamente um retorno deste movimento de exclusão do diferente que tem dado pauta pro jornalismo de sociedade europeu. Inúmeros acampamentos ciganos sendo desmantelados na calada da noite, seja pela polícia, seja por moradores da vizinhança onde tais acampamentos foram erguidos. Tais movimentos não são isentos de atos de violência contra os mais fracos, principalmente mulheres e crianças. Excluídos da sociedade, sem acesso à seguridade social, um dos pontos fundamentais apontados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, resta-lhes a mendicância. Assim, multiplicam-se nos semáforos das grandes cidades os pedintes, e a engrenagem da exclusão entra em funcionamento. Apontados como responsáveis pelo aumento de infrações e roubos, justifica-se a exclusão, mesmo a expulsão dos ciganos. Mesma lógica de funcionamento que tem se repetido ao longo de séculos. Elege-se um bode expiatório, que carrega a responsabilidade por todas as mazelas que se abatem sobre a sociedade num determinado momento. E justifica-se assim, toda atrocidade cometida contra tal minoria. Foi assim com os armenos, com os judeus, com os tutsi em Ruanda, com os ciganos mundo afora. Daí, a importância de monumentos e memoriais. Para que tais barabaridades não sejam repetidas, nem esquecidas.
Site do Memorial do Camp des Milles http://www.campdesmilles.org/

6 Responses

  1. Camila Navarro

    Lá vou eu de novo! Vamos ver se lembro o que tinha escrito!

    O que me deixa mais triste é pensar que continuamos repetindo os mesmo erros do passado. Milhares de pessoas mundo afora continuam tendo seus direitos violados. Até as duas guerras mundiais nos parecem inconcebíveis se pensarmos que elas aconteceram há tão pouco tempo. O mundo ainda precisa evoluir muito moralmente para que se torne um lugar melhor.

    Um trecho me chamou atenção no livro que estou lendo agora (Vilnius Poker, da Lituânia). O personagem é um sobrevivente de um campo de concentração. Ele é paranoico e acredita na existência de um sistema ou associação que deixa as pessoas vazias por dentro, apesar de por fora aparentarem normalidade. E ele diz que só isso justifica Stalins, Hitlers ou Pol Pots. Afinal, como a humanidade esqueceria sua história e repetiria o que causou tantas catástrofes? Para onde iria a inteligência e a memória nesses momentos? E ele parece ter razão…

  2. Natalia Itabayana

    Obrigada, Cristina!
    Cada passeio que faço pela cidade me faz pensar nessa historia triste e tão recente. A visita ao Camp des Milles me tocou profundamente, e hoje vejo com outros olhos a cidade e a região: o fato de ter visto um filme mostrando a invasão alemã nas cidades do sul, que foram dos principais redutos da resistência, me permitiu entender o porquê de tantos edificios novos em cidades tão antigas, por exemplo.
    E acho que é trabalho de cada um ser vigilante em pensamento e ação, para evitar a reprodução dessas barbaridades.
    Abraço!

  3. Natalia Itabayana

    Camila,

    ja inclui o livro na lista de leitura, adorei o personagem, otimo sujeito pra analise. O discurso dele é base pra reflexão em torno da alienação à qual estamos sujeitos, por isso não é todo incoerente com a realidade. Os Stalin e Hitler da vida são, por sua vez, motivados por uma assustadora certeza de que so eles são capazes de fazer direito. O problema é ter muitos pensando assim, pro bem e pro mal. Dai a raiz das atrocidades que testemunhamos.

  4. Milena F.

    O tema é muito complexo, e os mesmo erros continuam se repetindo… se formos pensar principalmente que tudo é política (inclusive o reconhecimento da França do genocídio armênio pelos otomanos foi um ato político, às vésperas das eleições…)
    Li recentemente um livro que mostra o panorâma de alguns países árabes a partir dos olhos deles, e não do ponto de vista europeu. Fica mais fácil entender esse calderão Palestina-Israel, Síria, Iraque, a imaturidade política do Egito… e por aí vai…

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