Palais Idéal du facteur Cheval

postado em: Drôme, França, Lyon | 18

 

Imagine uma pedra no meio do caminho, no melhor estilo Drummond. Imagine que você está voltando de uma longa jornada de trabalho como carteiro numa região rural, pouco habitada, e que tropeça na dita pedra. O que faria nessa caso? Opção a) xingaria e continuaria seu caminho; opção b) lembraria de um sonho antigo e trabalharia para concretizá-lo. Ferdinand Cheval escolheu a última opção. E passou 33 anos da sua vida trabalhando pra edificar um palácio que materializasse o tal sonho. E tudo isso porque tinha uma pedra no meio do seu caminho.

De repente, vemos uma casinha curiosa no meio da estrada,
cheia de cacarecos em ambos os acostamentos,
desejando boa viagem aos passantes.
Vale prestar atenção ao que cruza nosso caminho, sempre.
E por ficar relativamente no meio do nosso caminho de Aix à Lyon, decidimos incluir um pequeno desvio ao palácio durante a viagem. Decidimos passar por lá no caminho de volta pra casa, e escolhemos passear pela nacional ao invés de ir pela autoestrada, escolha que sempre preferimos fazer quando o objetivo é passear e apreciar as belezas do caminho. E que belezas. A paisagem do campo que começa a poucos quilômetros de Lyon e que contemplamos durante praticamente todo o percurso até Hauterives, vilarejo onde fica o palácio, divide-se entre grandes extensões de campos cultivados e colinas, com os Alpes brancos de neve de um lado, e o Massif central de outro lado. Vez ou outra, cortamos vilarejos com meia dúzia de casinhas e a aparência de serem desertos, não fosse a fumacinha escapando pelas chaminés pra denunciar que os habitantes estavam bem recolhidos e ao abrigo do frio.
Era domingo, então poucos foram os veículos que cruzamos estradinha afora. E quando eu achava que deveríamos cruzar alguma espécie de portal pra chegar até nosso destino, mesmo tendo programado GPS (e conferido de forma obsessiva pra ver se a indicação estava certa) plaquinhas apontando pra Hauterives e Palais Idéal começaram a aparecer no caminho. Dirigindo, confesso que o tempo estava se prolongando demais e eu queria chegar logo, estava realmente ansiosa pra contemplar o palácio que foi defendido por André Breton e outros nomes do surrealismo, como Picasso.
Escondido no coração de um jardim, não muito longe da prefeitura do vilarejo, o palácio não é facilmente avistado de longe, mas sabemos que estamos perto quando chegamos ao estacionamento e vemos a estátua de Ferdinand Cheval ao lado de um carrinho de mão, cena que melhor retrata seu cotidiano ao longo dos 33 anos que empenhou na realização de sua empreitada. Ao procurar por entre os galhos das árvores é possível avistar algumas torres da construção.
Minha primeira impressão ao entrar e me deparar com a construção foi de que era pequena. Mas tal impressão não durou mais que um instante, o instante de me dizer que era algo de fato imenso, construído pelas mãos de um só homem, suor que molhou um só rosto, sonho que perseguiu uma só alma. Aos poucos, o palácio que me pareceu pequeno de primeira tornou-se uma imensa construção, o livro de uma vida inteira de sonhos se abrindo diante dos meus olhos. Victor Hugo disse em “Notre Dame de Paris”, que a imprensa mataria a arquitetura, pois roubaria a ela a capacidade de contar a história das civilizações. Ora, o palácio do carteiro Cheval é um grande livro dos sonhos de um homem, e integra civilizações as mais diversas. De um lado, podemos entrar numa mesquita. De outro, estamos no Egito antigo dos sarcófagos. No topo, somos transportados aos trópicos e suas praias.
Ferdinand Cheval construiu não apenas um cenário de sonhos como também seu próprio mausoléu. Aos 77 anos, após o término do palácio, ele se lança na empreitada da construção de sua morada eterna, e dedica 8 anos de sua vida ao trabalho. Dois anos depois de finalizar seu mausoléu, Ferdinand parte para o “silêncio e repouso sem fim”, nome que deu ao local construído para seu descanso, que fica a cerca de um quilômetro do palácio, mas esta visita não fizemos.

Também visitou o sonho do carteiro:

Vera Toucinho, Assim vai a cidade

Informações práticas:

8, rue du Palais
26390, Hauterives – Drôme
Fechamento anual entre 15 e 31 de janeiro. Aberto todos os dias, exceto 25 de dezembro e 1 de janeiro.
Tarifa integral: 5,80€
Tarifa infantil (de 6 a 16 anos): 4,10€
Tarifa reduzida: 4,80€
Clique nas fotos para ampliá-las

 

 

 

 

 

 

 

Cachorrinho também é bem-vindo, usando coleira

 

 

 

18 Responses

  1. Renata Inforzato

    Quando cheguei aqui e comecei a dar aulas de português, meu aluno me descreveu esse lugar. Fiquei curiosa, dei uma pesquisada e deixei pra lá. Bom ler aqui com vc…Parabéns!
    Quanto ao Victor Hugo, o povo sempre é fatalista. Disseram que a fotografia mataria a pintura, que o rádio acabaria com a leitura, que a televisão acabaria com o rádio e agora que a internet vai acabar com livros, televisão e rádio. Na verdade, acho que quem tem razão é um dos meus professores de jornalismo, que diz "os meios se reinventam"…

  2. Natalia Itabayana

    Realmente valeu a visita, Rê!

    Acho que Victor Hugo quis enaltecer bem a arquitetura e sua função de livro sem necessidade de alfabetização, um livro ao alcance de todos, quando descreve cada detalhe da fachada da Notre Dame. E também tem essa linha fatalista pro que ele disse. A reinvenção é de fato o melhor que podemos tirar dessas transfornações que se impõem à nós diariamente.

    Veja a internet: já foi tantas vezes colocada na fogueira, e tantas outras enaltecida, que é um belo exemplo da nossa capacidade de reinvenção e adaptação. Nem um extremo, nem outro, prefiro o caminho do meio, o da ponderação, que nem sempre é fácil de encontrar e seguir!

  3. Giselle Gurgel

    Gente, que incrível esse palácio com uma pegada de castelo de areia, adorei! Os melhores arquitetos e construtores são os sonhadores! Não me incluo neste grupo por falta de coragem, mas vejamos o exemplo do grande Gaudí! melhor ainda é saber que alguém dedicou a vida para esse resultado mágico 🙂

  4. Vera

    Sabes que a minha primeira impressão foi parecida "tão pequeno..:", mas depois é impressionante perceber que ali está o sonho de um homem e a sua enorme vontade de o concretizar. E os nossos sonhos não podem nunca ser medidos!

  5. Natalia Itabayana

    Incrivel como a historia por tras da obra faz a gente mudar imediatamente nossa visão, né? Em questão de segundos o palacio ganhou novas dimensões pra mim 🙂

  6. Gabriela Moniz

    Acabeide ver uma foto desse palácio na net e pensei que fosse em algum lugar da Ásia. Até que fiz uma pesquisa e aqui estou eu, lendo esse ótimo post! Vou colocar essa dica no meu caderninho de viagens!

  7. Natalia Itabayana

    Excelente opção de passeio, e os templos asiáticos serviram mesmo de inspiração para a construção de uma parte do palácio!

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