Roteiro de 2 dias em Milão com família, cachorrinho e visita à Santa Ceia

Quem pensa em Milão certamente deve ter imagens de desfiles de moda e lojas carísimas em mente, uma cidade onde tudo é caro e por isso nem se arrisca a sair do aeroporto para descobri-la. Injustiça imensa. Eu pensava um pouco assim até quando a cidade entrou na minha vida, há exatos 9 anos, quando fiz minha primeira viagem à Europa. Passei 6 semanas na Suíça e num dos finais de semana minha tia propôs um bate-volta até a cidade. Foi no meio da estrada que vi a neve pela primeira vez, acumulada no chão. Foi também numa parada que comi pizza italiana pela primeira vez (tudo bem que pizza é típica de Nápoles, mas marinheira de primeira viagem internacional que eu era, foi um festival de clichês dos quais não me envergonho).

Mas o ápice da viagem, momento que me fez mudar rapidamente a imagem da cidade, foi quando entrei no Duomo que me vi sem palavras pela primeira vez, diante de uma construção daquela magnitude e imponência. Minha tia ficou um tanto desapontada pelo fato de termos encontrado a fachada do edifício inteiramente coberta de tapumes (na ocasião, era a grande restauração da fachada que acontece com certa frequência) e eu me contentei com um cartão postal para compensar a ausência da visão “mais impressionante que meus olhos poderiam ver”, como me disse minha tia. Diante do meu mutismo, lembro que ela perguntava “pô, o que achou?”, e eu, medindo o pé direito da catedral, respondi “nunca vi nada tão imenso na vida”. Do alto do Duomo, enquanto contemplava a Madonna e os Alpes, desejei voltar um dia para ver o que os trabalhos de restauração me privaram.

9 anos depois, Milão entra no nosso roteiro de viagens, e de forma um pouco mais estruturada que um bate-volta: o voo que levaria meus sogros de volta ao Brasil sairia de Malpensa, aeroporto onde não passei mais de 10 minutos – meu voo atrasou 2 horas em Zurique e quando aterrizou em Malpensa eu era aguardada por uma comissária da empresa aérea que me disse para me apresentar o mais rápido possível ao portão de embarque, o pessoal estava ao par do atraso do meu voo e me esperava. Atravessei correndo o aeroporto e agradeci ao inventor das esteiras rolantes, que me ajudaram muito naquele dia corrido.

Os sogros evocaram a possibilidade de irem de trem para Milão, pois não queriam nos atrapalhar… Falei pra eles que essa não era uma possibilidade, e que faríamos mais que questão de acompanha-los – seria minha oportunidade de retornar à primeira cidade que visitei na Itália, e de levar Bernardo, seus pais e minha mãe para conhecê-la também.

Contrariamente ao belíssimo dia ensolarado que passei em Milão em 2004, o nosso fim de semana seria de chuva, mas não tinha problema: todos estávamos devidamente munidos de guarda-chuvas e mais que acostumados a turistar debaixo d’água. Minha única exigência: eu precisava ver a fachada do Duomo, e rever minha estátua favorita, que fica do lado direito do altar: a estátua de São Bartolomeu., que tanto me marcou na minha primeira visita. Lembro da primeira vez que vi a estátua, quando percorria silenciosamente o corredor lateral da igreja, olhando pra cima e pensando que nunca tinha me imaginado no interior de uma obra tão grandiosa. Chegando diante dela, a fascinação me encheu os olhos de lágrimas, e não pude conter um suspiro de admiração. Nos ombros, o santo carrega o que parece ser… pele humana. Na verdade, trata-se da representação do martírio do santo, que foi despido de sua pele. Pra mim, os 500km que separam Aix-en-Provence de Milão foram mais que recompensados diante do meu reencontro com essa estátua.

São Bartolomeu

Como chegamos no meio da tarde, tomamos o tempo necessário pra nos instalarmos no apartamento antes de sair pra explorar o centro da cidade. A ideia era dar uma voltinha sem compromisso, descobrir o caminho até o centro e, claro, ver o monumental Duomo. Ficamos dois dias e meio na cidade, sendo que no domingo contamos com a companhia preciosa da Magê, autora do excelente blog Milão nas Mãos, que nos guiou pelas ruas e história da cidade, chamando nossa atenção para fatos e monumentos que talvez passariam despercebidos, como foi o caso da sede do partido fascista e o balcão onde Mussolini fez o discurso de fundação do partido, ou ainda belas igrejas com fachadas simples, mas que revelavam magníficas surpresas uma vez em seu interior.

Outra atração imperdível na cidade que também entrou no nosso roteiro, graças à ajuda valiosa da querida Magê: a visita à Santa Ceia de Da Vinci. Além do voo dos sogros, a visita à obra de Da Vinci era nosso único compromisso agendado, e isso a Magê explicou direitinho no post dela sobre o planejamento da visita: os bilhetes são vendidos 3 meses antes da data da visita, e esgotam rapidamente no site. Tão logo abriu a data que nos convinha, ela me avisou e reservei num instante os últimos 5 bilhetes pro nosso horário. O Riq Freire também explicou que, caso os bilhetes esgotem na internet, vale telefonar rapidamente, pois ainda tem uma cota de bilhetes vendidos via telefone, mas a antecedência de 3 meses em relação à data da visita deve ser observada.

Segue o que posso chamar de “nosso roteiro” de 2 dias em Milão (porque, excetuando a visita à Santa Ceia, todo o resto foi ao acaso):

Galeria Vittorio Emanuele II
A belíssima galeria do século XIX é conhecida como um dos mais antigos centros comerciais do mundo, e conta com grifes de luxo renomadas, como Prada, Gucci, Louis Vuitton. A galeria, conhecida como a sala de estar de Milão, serve de ligação elegante entre a praça do Duomo e o teatro alla Scala. Mas o que me chamou mesmo atenção foram as pinturas que representam 4 continentes, que podem ser vistas na abóbada central, e o mosaico do piso, simbolizando as grandes cidades italianas através de seus símbolos. Uma curiosidade e tradição interessantes: o touro, símbolo da cidade de Torino, é uma atração à parte, e dizem que devemos apoiar o calcanhar em seus testículos e girar 3 vezes para ter sorte. O piso está tão desgastado que o calcanhar encaixa sem dificuldades, e Magê nos disse que ele foi reparado recentemente!

O coitado do touro, vítima do seu sucesso!

Duomo de Milão
Impossível não se impressionar diante da magnitude dessa construção, que durou cerca de 5 séculos. Todo em mármore proveniente de sua própria marmoraria, o duomo milanês é uma obra prima de arquitetura sacra: a fachada é ornada por uma diversidade de imagens de santos ou não – Magê nos chamou a atenção para o fato de existirem imagens que representam desportistas, mas que não são facilmente vistas da praça. Como chovia nos dias que passamos na cidade, não visitamos o teto da catedral, mas eu pude fazer essa visita em 2004 com um sol lindo e céu azul, e a vista da cidade e dos Alpes que temos lá do alto, além de ver a Madonna pouco mais de perto, vale cada degrau subido (calma, tem elevador também!). Além da visita ao telhado, o Duomo agora conta com um museu só seu, e pelo que já li sobre no blog da Magê, vale incluir no roteiro (motivo pra voltar, pois faltou tempo pra visitá-lo).

Um fato histórico sobre o Duomo: foi nele que aconteceu a cerimônia de coroação de Napoleão Bonaparte, rei da Itália. Lembro-me que um dos quadros que mais me marcou durante minha primeira visita ao Louvre é justamente a representação do momento em que Napoleão coroa sua esposa, Josephine, na catedral Notre Dame de Paris, coroação que aconteceu um ano antes, e é representada por um quadro com dimensões impressionantes de autoria de Jacques-Louis David. Quando vi o quadro, jamais imaginaria que visitaria numa mesma viagem dois lugares de tamanho peso histórico.

Jantar no Signorvino
Sorte de principiante, ou sorte de turista. Assim pode ser classificado nosso jantar no concorrido Signorvino, ao lado do Duomo. A Magê já falou sobre o lugar neste post, e também salientou a dificuldade em conseguir mesa sem reserva. E lá fomos nós, fugindo da chuva e procurando um lugar onde nos aquecer, degustar um bom vinho e apreciar a culinária italiana. O anfitrião nos disse que não havia mesas, mas que poderíamos aguardar no bar até que uma mesa se liberasse, e foi o que fizemos. Escolhemos um prato de tira-gostos pra dividir – deliciosos presuntos e azeitonas italianos. Cada um pediu sua taça de vinho – eu pedi prosecco, um espumante delicioso, e fiquei muito satisfeita com meu pedido.

Jantar no Signorvino: vale reservar. Tivemos sorte, depois de 30 minutos de espera no balcão,
onde apreciamos o aperitivo, conseguimos uma mesa para 5 pessoas.

Pra nossa alegria, a mesa não tardou a se liberar, e pudemos nos instalar tranquilamente e atentar à bela decoração do lugar: garrafas de vinho cuidadosamente expostas, divididas de acordo com suas regiões de origem, são as vedetes do salão. A proposta do lugar é simples, porém bem interessante: você vem, degusta o vinho de sua preferência, e leva o mesmo pra casa, ou então estica a noite pro aperitivo ou jantar, sendo que o menu é igualmente identificado por regiões. Pedi um tartar de carne bovina, e o vinho que acompanhou nosso jantar deixou das melhores lembranças gustativas da viagem: um excelente Brunello de Montalcino – indício do nosso destino de retorno.

Além do charme do lugar, da qualidade dos produtos oferecidos e do excelente serviço, os preços mais que abordáveis são um grande ponto a favor do Signorvino, e vale incluir uma passada por lá quando estiver em Milão.

Castelo Sforzesco
Milão não é uma cidade que não tem arranha-céu, mas nem por isso deixa de transmitir toda a imponência do império lombardo através da magnitude de suas construções de época, como é o caso do Castelo Sforzesco. Residência do duque Francesco Sforza, que deu nome ao castelo, a construção data do século XIV, mas foi no século XV que o duque ali residiu, depois de ter reforçado suas defesas. O interior do castelo pode ser visitado, e seu pátio interno nos dá um ideia do poder militar da época. Eu e Bernardo passamos por ele à noite, e retornamos no dia seguinte pela manhã, quando visitamos os pátios. Pelo que pudemos ver do exterior das janelas, é uma visita que vale incluir no roteiro quando o tempo não é curto.

Teatro alla Scala
Atravessar a charmosa galeria Vittorio Emanuele, chegar a uma praça onde uma imensa estátua de Leonardo da Vinci ocupa o centro das atenções, e encontrar um edifício de renome internacional: o Teatro alla Scala de Milão. Aos 14 anos, entrei pela primeira vez num estádio de futebol, o estádio Independência, em Belo Horizonte, mas não fui assistir nenhum jogo. Foi Giuseppe Verdi, o “maestro”, que me levou pela primeira vez aos gramados, para assistir a encenação faraônica de sua “Aida”. Jamais me esquecerei desse primeiro contato com a ópera, e me emocionei imensamente ao ver o local onde o “maestro” ganhou fama e notoriedade, mesmo que fosse de fora, da praça. E mal sabia eu que foi ali que nosso brasileiríssimo Carlos Gomes estreou “O Guarani” – Magê e seu conhecimento vastíssimo enriquecendo nossa visita.


Visita à Santa Ceia
Como disse no início deste post, nosso único compromisso além do voo dos sogros era a visita ao refeitório anexo à igreja Santa Maria delle Grazie, onde Leonardo da Vinci pintou a célebre Santa Ceia. Nossos bilhetes tinham sido reservados três meses antes, e nosso encontro com a obra de Da Vinci foi precedido de uma visita à igreja e ao seu belíssimo claustro, em companhia da Magê – fiquei tão encantada com a beleza do lugar que nem atinei pra fotografar, por isso deixo a foto da parte de traz da igreja. Retiramos os bilhetes com antecedência de 15 minutos do horário da visita, e aguardamos na sala de entrada. No momento certo, somos chamados em função do horário agendado, os bilhetes são conferidos, e somos convidados a entrar numa outra sala, onde aguardamos alguns instantes. Assim que todos os 25 visitantes estão reunidos, a porta de vidro se abre, e entramos no mítico refeitório, onde temos exatos 15 minutos para apreciar não só a Santa Ceia de Da Vinci – o Cenacolo Vinciano – mas também o afresco de Donato Montorfano, “Crucificação”. Sorte minha que li antes sobre a obra no Milão nas mãos, e não perdi a chance de apreciar a obra.

Compra do bilhete para visitar a Santa Ceia

Para comprar o bilhete para visita da Santa Ceia é preciso saber exatamente as datas que estará em Milão, pois não existe possibilidade de retorno dos bilhetes adquiridos no site. Reservamos o horário de 10h45 de domingo para nossa visita, que dura exatos 15 minutos e é feita em grupos de 25 pessoas no máximo. Pede-se que a retirada dos bilhetes seja feita no local 20 minutos antes do horário marcado,
Site para compra do bilhete (em inglês): é necessário fazer um cadastro para efetuar a compra, e o pagamente é feito com cartão de crédito internacional http://www.vivaticket.it/index.php?nvpg[home]&op=cenacoloVinciano&change_language=1

Perca-se pelas ruas da cidade e viaje no tempo.
Ruínas romanas coabitam em meio a prédios contemporâneos. Basta virar a esquina e ser testemunha do encontro das diferentes épocas da história da cidade, o que faz dela um lugar mais que especial. Cada pedra de Milão conta uma história, cada construção tem um mundo de sentido escondido atrás de suas paredes, e não se deixe enganar pela aparência austera da maior parte de seus edifícios: na verdade, sua real beleza encontra-se no interior, seja nos pequenos detalhes de decoração, seja em seus jardins secretos, abertos à visitação em ocasiões muito especiais ou sob condições muito especiais – visite o blog da Magê pra saber mais sobre o jardim que só é acessível se você estiver acompanhado de crianças.

Hospedagem com família em Milão

Nos hospedamos na região de Navigli no *BB Navigli*, excelente escolha pro nossa composição familiar: dois casais, uma solteira e um cachorrinho, além do estacionamento (pago, mas valeu cada centavo). Além da localização que nos agradou, próxima a comércio, restaurantes e supermercado (na esquina, e abre aos domingos), o tram que vai ao Duomo passa bem na esquina da rua, mas 20 minutos de caminhada eram suficientes para que chegássemos à praça do Duomo.

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4 Responses

  1. Milena F.

    Amei Milão, e se fosse seguir o con,selho da maioria dos brasileiros, nunca teria ido, pois aimagem que circula também não é muito positiva! Assim como você, mesmo se só tivesse o Duemo em Milão já valeria a pena uma viagem! Mas Milão é muito mais do que isso: museus de ótima qualidade, a Santa Ceia e todos os cantos por onde passou o Mestre Leonardo… Boa gastronomia e igrejas lindas! Não preciso de mais do que isso…

  2. Natalia Itabayana

    Também ouvi muito isso sobre a cidade, e acho uma grande injustiça! Em compensação, já ouvi tantas maravilhas de outros lugares que já visitei e não achei nada excepcional. O jeito é achar a justa medida na história 🙂

  3. Natalia Itabayana

    Oi Marta!

    As três cidades também são as que atraem a maioria dos brasileiros. Ainda não conheço Roma, e acho bom porque quando for poderei pensar num roteiro completamente diferente do que teria pensado ano atrás. Atualmente, tento incluir ao máximo atrações de locais, pra quebrar o ritmo das visitas às atrações "imperdíveis".

    Em breve conhecerei tua terrinha, e a descoberta começa pelo Porto!

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