Cinco primaveras na Provença

postado em: Vida na França | 13

E lá se vão cinco anos que desembarcamos por aqui. Chegamos numa semana chuvosa de inicio de primavera, e foi debaixo de chuva que vi pela primeira vez a montanha Sainte Victoire, a fonte da Rotonde, e me encantei com o charme de Aix-en-Provence à primeira vista. Foi debaixo de chuva também que escolhemos onde iríamos morar, nosso carro e abrimos conta no banco, tudo muito rápido porque a pessoa responsável por nosso relocação não disponibilizou muito tempo pra nos acolher e nos apressou em tudo. Em compensação, foi no mesmo dia chuvoso que tive minha primeira experiência num restaurante francês, que conheci a amiga que dias depois me acompanharia nas infinitas idas à lojas pra escolher moveis, à prefeitura pra resolver os pepinos burocráticos e servir de intérprete, pois chegara meses antes de mim e já falava bem o francês, que no meu caso se limitava ao bonjour, merci, au revoir.

Nosso primeiro passeio foi aos pés da montanha Sainte Victoire, paisagem que até hoje desperta em mim o mesmo encanto de cinco anos atrás, com a ponta de orgulho de olhar pro topo e me dizer que já chegamos la, e que não é tão difícil. Em cinco anos, espantei a preguiça e a primeira trilha que fiz na montanha e que me pareceu interminável hoje é distância corriqueira, de trilhas de 1km passamos pra trilhas de 16km. Meus treinos de corrida que comecei no Brasil pouco antes de vir embora se tornaram mais frequentes, e as distâncias aumentaram gradativamente, até chegar ao percurso de meia-maratona – mal imaginava eu que, ao completar os primeiros 4km seguidos de corrida no calçadão da Praia da Costa, em Vila Velha, um dia iria correr 21.1km tranquilamente !
São quase cinco anos desde que subi pela primeira vez nos esquis, e que na mesma vez me arrebentei o joelho, e precisei de fisioterapia durante meses, o que me afastou da corrida durante um certo tempo, mas compensei na bicicleta. Quem não me conheceu na adolescência pode ter a impressão de que sou grande esportista, mas fui uma assídua matadora de aulas de educação física durante longos anos.

Em cinco anos, aprendi que dizer um simples “não” é libertador e nada doloroso, melhor do que se desdobrar em quem não sou pra fazer malabarismo pra agradar quem quer que seja. Dizer não marca meu limite, até onde minha capacidade de agir e pensar me permite ir, e é prova de tenho consciência disso. Na mesma medida, ouvir um não ficou mais fácil, e lidar com a frustração que decorre da recusa é um duro trabalho de formiguinha, mas gratificante. 
Aprendi que as únicas marcas que me importam são as que o tempo imprime no rosto e no corpo, marcas das experiências que vivi – o rosto de hoje carrega marcas que não eram visíveis cinco anos atrás, as fotos testemunham disso e minha reação hoje certamente não seria a mesma se não tivesse me dito que cada linha é parte da minha história – uso meus cremes, claro, mas nada além deles.
Aprendi a fazer mudança, a gerenciar o tempo de faxina no apartamento duas vezes maior que o primeiro e minúsculo onde moramos durante os três primeiros anos, a pintar parede, Bernardo aprendeu a colocar piso e papel de parede. Fizemos isso ao longo da ultima primavera, e la vamos nós pra nossa segunda primavera de trabalhos, deixando nosso cantinho cada vez mais com nossa cara. Só não aprendemos a trocar janela, e pra isso nos rendemos aos serviços de profissionais – não é demais reconhecer o que “faça você mesmo” tem certos limites !
Aprendi a viajar mais leve : depois de levar mala pra passar 2 dias de Vila Velha no inicio do nosso namoro, e ver Bernardo levar sempre uma mochila cada vez que ia pra Belo Horizonte, aos poucos me desapeguei de itens totalmente dispensáveis em viagens, e confesso que metade do peso da minha mochila é material fotográfico, enquanto o resto são roupas cuidadosamente escolhidas e combinadas inúmeras vezes entre si. E se tiver que repetir, não tem problema. Ah, quando a viagem é longa, lavanderias são mais que essenciais e bem-vindas !
Grande parte do que vivi nesses cinco anos aqui virou post do blog, seja o inicio de tudo, com a montagem do nosso minusculo apartamento, seja os estudos e a validação do diploma, seja os passeios, e principalmente eles. Mas nem tudo virou post, nem vai virar. Essa é uma das coisas mais importantes que aprendi : há coisas que guardamos como preciosidades, e determinados aspectos da vida entram nesse pequeno tesouro da vida privada. Claro que nem tudo foram flores ao longo dos cinco anos : quase desisti do mestrado no fim do primeiro ano, o estresse chegou a níveis estratosféricos e se não fosse pelo apoio dos colegas que viraram amigos, do supervisor de estagio e principalmente do Bernardo, certamente hoje eu não poderia exercer a profissão que escolhi há mais de 10 anos. Foi difícil, não é um mar de rosas, mas consegui aos poucos vencer alguns obstáculos.
Ao longo desses cinco anos, perdemos pessoas queridas de quem nos despedimos de longe, da forma como pudemos. Enxugamos nossas lágrimas, cultivamos nossas lembranças de bons momentos vividos ao lado dos que partiram, e seguimos nosso caminho.
Pouco a pouco, o tempo dedicado ao blog reduziu, em parte porque meu tempo de trabalho aumentou consideravelmente em relação ao ano passado, o que não significa que nossos passeios e viagens diminuíram, longe disso. O que diminuiu foi a disponibilidade pra escrever, a vontade de ficar conectada. Hoje entendo perfeitamente quem desiste de blogar depois de longos anos de estrada : meu primeiro blog foi aberto em 2004, quando vim à Europa pela primeira vez, e em setembro de 2010 comecei este blog, que tem cara de diário e que é o estilo que escolhi manter.
Em cinco anos, muita coisa mudou desse lado de cá, e também do lado de lá do Atlântico, e uma das mudanças que mais me entristece é a crescente falta de tolerância, acompanhada de falta de respeito às diferenças. Isso me fez moderar os comentários no blog : me reservo o direito de não publicar ofensas, simples assim.

Como há cinco anos, quando chegamos em Aix-en-Provence, o dia hoje está chuvoso – um dia típico de início de primavera, época boa pra semear projetos que serão colhidos no fim do verão. Vem surpresa por aí, aguardem! Agradeço de coração quem acompanha o blog desde o comecinho, mesmo em silêncio. Pela paciência durante os longos períodos de ausência como tem sido ultimamente, pela confiança e interesse nas informações compartilhadas. A quem se juntou à essa viagem ao longo desses cinco anos, é a mesma gratidão que exprimo, e espero contar com a companhia de todos ao longo de muitos passeios pela Provença e viagens mundo afora. Bonne journée, mes amis, et grand merci à tous !

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13 Responses

  1. Ana Sofia Amorim

    Eu sou uma dessas leitoras silenciosas e gosto muito de ler o blog. Parabéns pelos cinco anos de França e pela inspiração a cada post!

  2. Arthur FrançaBrasil

    Cheguei no seu blog Nathi, quando vocês ainda completavam a segunda primavera.
    Eu fui para França, fiz duas primaveras e meias em território francês, se é que existe duas primaveras e meia, e cá estou de volta ao Brasil vendo vocês completarem 5 primaveras.
    Meu blog também chegou na fase de poucas posts, mas nem por isso, de menor emoção.
    O peso de suas palavras delicadamente selecionadas, deixa claro a forte emoção desses 5 anos de França.
    Enfim, gostaria de agradecer e ao mesmo tempo desejar à vocês, os melhores ventos que as correntes puderem lhes trazer.
    Minha incrível jornada na França terminou, mas o nosso "Destino", seja ele Provence, Grenoble, ou Brasil, não pode parar!!!

    Beijos e cuidem-se.

    Arthur,

  3. Ana Maria

    Adorei esse post. Parabéns – pelo blog, por encarar todas essas mudanças e por se permitir aprender com elas.

  4. Natalia Itabayana

    Ei Arthur!
    Obrigada pela companhia e pelas palavras! Certamente o destino somos nós quem fazemos, e em boa companhia e com a mente aberta podemos transformar qualquer novo passeio em uma experiência sensacional!
    Abraços e bonne continuation pra vocês!

  5. Natalia Itabayana

    Ei Nilda!
    Adoro livros, vou visitar seu blog sim! Comecei uma série de leitura de livros franceses aqui no blog, que ta meio paradinha ultimamente por causa do trabalho, mas em breve retomo as publicações do projeto!
    Abraço!

  6. Natalia Itabayana

    Ei Ana Maria!
    Obrigada pelas palavras gentis! Parte da experiência depende de como a vivenciamos, né? Escolhi tirar o melhor proveito possível desta experiência 🙂

  7. Márcia Benedita Oliveira Silva

    Parabéns pelo seu blog Natalia, adorei. Também sou de Belo Horizonte e assim como você tinha o sonho de conhecer Paris, que o fiz aos 32 anos. Agora gostaria muito de conhecer a Provance e procurando sobre o assunto na internet, encontrei o seu blog, que é bastante charmoso. Lendo as suas postagens sinto mais vontade de conhecer a Provance. Estou ainda lendo várias coisas do seu blog, mas de tudo que tenho lido tenho ficado encantada com a maneira com que você relata suas viagens e os lugares que conheceu. Parabéns também pelo filhinho (Vitor), que vocês tenham muita saúde. Agora vou seguir sempre o seu blog. Um abraço.

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