A chegada de Victor

Pequetito já completou um mês no dia 26 de setembro, mas parece que foi ontem que ele chegou. Uma das frases mais comuns que pais e mães dizem é que o tempo passa rápido demais quando se trata dos filhos, e é uma constatação que fiz nesses dias, revendo as fotos e o vídeo do nascimento do Victor. Mas se tem um momento que posso dizer que o tempo parou foi exatamente esse da foto que Bernardo tirou, quando o pequetito estava no meu colo depois de nascer. Sou incapaz de estimar quanto tempo durou, só sei que pra mim o tempo tinha parado e a única coisa que existia era ele no meu colo – só fui me dar conta dos detalhes da sala de parto quando vi a foto. Este vai ser o último post da série sobre a gravidez, e o foco é o parto, da preparação ao momento exato que o chorinho ecoou pela sala. 

Depois de fazer a primeira ecografia – de verdade, em que ouvimos o coraçãozinho dele batendo – enviei pro organismo de saúde pública francês a declaração de gravidez, que concede um monte de direitos em termos de acompanhamento – aqui a saúde pública cobre grande parte dos gastos médicos, e na gravidez a porcentagem dos valores cobertos pelo governo aumenta, chegando à 100% do valor a partir da 25a semana. Poucos dias depois recebi uma agenda com as datas em que deveria fazer as consultas mensais obrigatórias, as ecografias das 22a e 32a semanas, e quando deveria começar o curso de preparação ao nascimento, além das datas dos primeiros exames do bebê.

Depois de feita a primeira ecografia – que tive de repetir depois, expliquei o porquê no post sobre  como foi a gravidez – consultei uma sage femme (a melhor tradução é parteira, vou explicar mais adiante o trabalho dessa profissional) pra saber mais sobre as sessões de preparação e o parto em si, sabendo que a maternidade do hospital de Aix-en-Provence, que escolhi pro parto, aceita que as sage femmes conveniadas que atendem em liberal possam fazer o parto na maternidade – normalmente o parto é feito pelas sage femmes plantonistas ou por um ginecologista-obstetra (vou abreviar GO) do serviço em caso de necessidade de cesárea ou fórceps/ventosa. A sage femme que consultei só trabalha com preparação pro parto em pequenos grupos e não faz o acompanhamento pré-natal nem é conveniada pra acompanhar à maternidade, mas foi ela quem me indicou a “nossa” sage femme.

O acompanhamento pré-natal foi feito com meu GO, que fez as 3 ecografias obrigatórias e de brinde fazia uma ecografia bônus a cada consulta, só pra gente ver o bebê – e ele ainda curtia muito mostrar o bebê em 3d, enquanto eu me amarrava mais no estilo antigo, usei todo meu conhecimento de anatomia pra identificar as partes do bebê, menos o sexo porque queríamos a surpresa (eu mais que Bernardo). No 5o mês, depois que voltamos de NY, começamos as sessões de preparação, e vou explicar um tico o que faz uma sage femme, baseado no que eu vivenciei.

A beleza do trabalho de uma sage femme

As sage femmes – traduzindo literalmente, significa “mulher sábia”, sendo que a sabedoria em questão se refere à tudo que diz respeito às modificações do corpo de uma mulher grávida, ao trabalho de parto em si, às questões de puerpério e aos primeiros cuidados com o bebê, assim como o processo de recuperação do corpo pós-parto – são profissionais de saúde que seguem uma formação que dura cinco anos, sendo o primeiro ano de estudos comum à outros profissionais de saúde como médicos, dentistas, farmacêuticos, e os quatro anos seguintes são realizados em escolas especializadas, como uma escola hospitalar ou uma estrutura universitária habilitada à formação de sage femme. A profissão é majoritariamente exercida por mulheres, mas homens tem cada vez mais optado por essa formação, e informalmente eles são chamados de sage femme também, mas o termo apropriado é maïeuticien
Nossa sage femme é a única aqui em Aix habilitada a realizar parto domiciliar, e como meu projeto era ter um parto natural, sem peridural, mas na maternidade mesmo, achei que ela teria um conhecimento precioso a nos fornecer. Ela é malgaxe, e todo ano passa as férias de verão em Madagascar, então eu corria o risco de ela não estar presente no momento do parto pra nos acompanhar à maternidade, mas estava aberta à parir com as sage femmes plantonistas sem o menor problema.

“Você tem medo de parir?”, foi a primeira pergunta que me fez minha sage femme, e eu respondi que não, que tinha medo de precisar de uma cesariana, porque significaria ou que o bebê não estava na posição pro parto normal, ou que estava em sofrimento durante o trabalho, ou ainda que a cabeça não passaria pela minha bacia. Se fosse necessária, seria feita, mas só se fosse realmente necessária, e expliquei isso pra ela, que aceitaria o procedimento nos casos indicados. Começamos então a preparação pro nascimento, que consistiu em uma entrevista comigo e com Bernardo pra saber das nossas expectativas, dúvidas e medos, e 7 sessões de preparação, com exercícios de respiração, relaxamento e massagens pra aliviar as dores, e posturas pra parir. Bernardo esteve presente em 5 das sessões, e as outras 2 eram individuais pra relaxamento.

O dia D

O termo previsto da gravidez era 19/09/2015, mas eu sempre soube que Victor chegaria antes disso, e na minha última consulta pré-natal confirmei minha suspeita: o médico disse que o colo já tinha começado a encurtar – a consulta foi no sábado, entrei em trabalho na terça seguinte. A sage femme tinha explicado o que eu sentiria quando o colo começasse a se modificar, e na semana anterior ao parto, além da alteração do colo, comecei a sentir que a bacia também estava se modificando. 
Na terça-feira levantei cedinho, me vesti pra fazer minha caminhada habitual, tomei meu café da manhã normalmente e fui passear com a Luna antes, e foi por volta das 8h que comecei a sentir uma cólica. Nem sai pra caminhada, pois as contrações começaram às 9h. Mandei uma mensagem pro Bernardo dizendo que bebê não tardaria a chegar, que estava sentindo um pouco de cólica e que iria fazer uma caminhadinha curta de meia hora ao invés da uma hora de costume. Ele me perguntou se estava tudo bem, e eu disse que sim. Mas às 11h25 pedi pra ele vir pra casa – ainda por mensagem – e ele ligou na hora pra saber o que era. Eu falei das contrações, disse que estavam tranquilas e a bolsa não tira estourado, mas eu não queria ficar sozinha em casa.
Ele chegou por volta das 13h, almoçou e só no quando ele tinha comido metade do prato que eu pedi pra comer a mesma coisa (era uma pizza caseira), pois eu não tinha fome, mas precisaria comer porque não sabia quando iria comer de novo. Ele preparou minha pizza, comi tranquilamente e depois fiquei sentada na bola pra aliviar as contrações. Quando elas começaram a se intensificar, ficava abraçada na bola, pois aliviava. E toda hora ele perguntava se já era pra irmos, eu dizendo que não, tava tranquilo. Até que às 16h30 finalmente cedi, pegamos as mochilas e saimos. Eu queria ir à pé – a maternidade fica a 1.5km de casa – ele insistiu pra irmos de carro, eu insisti com ir à pé e ele insistiu com o carro. Fomos de carro, mas eu não quis que ele estacionasse na porta, porque queria e precisava andar. 
Chegando na maternidade, ainda peguei uma senha pra abrir meu dossiê, enquanto ele foi perguntar na recepção o que fazer, porque eu estava em trabalho de parto. “Vá direto pra ala das salas de parto”, disse a recepcionista. “Mas ta tranquilo, dá tempo de abrir meu dossiê”. “Madame, pode ir, depois seu marido faz isso.” Chegamos na sala das sages femmes e eu disse que estava com contrações, não sabia dizer a frequência porque não fiquei grudada no relógio, e a sage femme me colocou no monitoring pra medir a frequência das contrações e os batimentos do bebê. Fiquei uma hora deitada com o monitor na barriga porque o sem fio da sala de trabalho natural não funcionava.
Depois de uma hora, ela disse que realmente era praquele dia, e pro Bernardo ir na recepção registrar minha entrada enquanto ela me levava pro quarto onde eu ficaria, e ainda levou uma bola pra aliviar as contrações, pois o trabalho seria demorado e como eu estava pouco dilatada, não precisava ficar o tempo todo na sala de parto. Fiquei um tempão no meu quarto, Bernardo foi em casa jantar e levar a Luna pra passear (por isso ele queria o carro) e voltou por volta das 20h, quando houve a troca de turno das sage femmes. Nesse momento, voltamos pra sala de parto pra continuar por lá, e conhecemos a sage femme que nos acompanhou até o nascimento do Victor. 
A sala de parto natural. Não cheguei a entrar na banheira porque pedi a peridural antes e mudamos de sala. Ela só é utilizada durante o trabalho, não durante os nascimentos.

Fiquei mais uns 20 minutos no aparelho de monitoramento, e as contrações começaram a se intensificar. Eu, deitada, na pior posição pra suportar as dores, sentia vertigens. Em pé, agachada ou sentada na bola era melhor. Com 3cm de dilatação, depois da vertigem, fiquei pensando em quanto tempo mais faltava pra chegar na dilatação completa, se teria outras vertigens, se teria força pra empurrar depois de sei lá quanto tempo de trabalho. Uma coisa era o projeto de nascimento tal qual eu o tinha idealizado, outra foi a realidade do momento. E no momento, eu cedi à peridural, depois de 12h de trabalho sem anestesia. Mal sabia que em menos de 2h a dilatação era completa e faltava só fazer o bebê descer pra poder empurrar.
O momento de aplicar a peridural foi o único em que um médico entrou no processo: a anestesista chegou, fez seu trabalho e foi embora. A sage femme, na hora da aplicação da anestesia, me disse pra abaixar a cabeça e não me mexer. Elas tinham pedido pro Bernardo sair da sala e ir buscar as roupinhas do bebê enquanto isso. O gesto que mais me emocionou foi quando eu abaixei a cabeça pra receber a anestesia, a sage femme me abraçou e abaixou a cabeça por cima da minha, e falou “vai ficar tudo bem”. Foi como se minha mãe estivesse comigo, e meus olhos lacrimejam da mesma forma agora enquanto escrevo do que o fizeram naquele momento. 
Em pouco tempo, as contrações deixaram de ser dolorosas e viraram um curva no monitor, do qual eu não desgrudava os olhos pra saber se o coraçãozinho do bebê batia normalmente o tempo todo. Quando a peridural pegou, eu estava a 5cm de dilatação, às 21h. As sage femmes disseram que ainda iria demorar. Avisamos então os amigos daqui que bebê não demoraria, e a família no Brasil já tinha sido devidamente informada. 
Duas horas depois da aplicação da peridural, eu chamei novamente a sage femme (elas não ficam o tempo todo na sala, passam a cada hora pra ver a dilatação) e disse que estava sentindo dores. “Dores como, vontade de empurrar?”, respondi que sim, e ela foi ver a dilatação. “Seu colo sumiu, você está em dilatação completa, agora vai respirar pra fazer o bebê descer e depois vai empurrar.” Enquanto isso, elas preparavam a sala, eu escolhi a roupinha que bebê usaria e a enfermeira colocou pra esquentar. Apesar de ser super verão canicular, bebês não regulam a temperatura e devem ser bastante cobertos, me disse ela. 
Primeira roupinha usada. Ficou enorme nele!
Em 3 contrações o bebê encaixou, e chegou a hora de empurrar. Com a voz suave mas firme, a sage femme dizia pra empurrar, mais um pouco, mais um pouco! Agora respira e espera a próxima contração. Empurra, empurra, empurra, não empurra mais, já saiu a cabeça! E ela puxou o os ombrinhos e disse “venham buscar o bebê de vocês”, um pedido que eu tinha feito, queria que nós dois juntos terminássemos de tirar o bebê. Com os bracinhos abertos e o chorinho ecoando pela sala, pegamos nosso piccolino e colocamos no meu peito, sem nem olhar o sexo, foi a sage femme que perguntou, “então, menino ou menina?”, e eu respondi, entre soluços “é um menino!”, enquanto sussurava em seu ouvidinho “bienvenue mon petit” e “bem-vindo meu piccolino”. A enfermeira limpou ele rapidinho, ainda no meu colo, tirou meu avental e colocou o Victor de volta no meu peito. Ficamos ainda duas horas na sala de parto, com ele no peito sei lá quanto tempo – pra mim, o tempo parou naquele momento surreal e eu fiquei olhando aquela pessoinha minúscula na minha frente, depois de 9 meses de espera. Naquela primeira meia hora do dia 26 de agosto de 2015 não foi só o Victor que nasceu: nasceu o pai dele com o rosto iluminado, em êxtase diante de tudo, o que me surpreendeu depois de mais de 13 anos juntos. Nasci eu, mãe de um bebezinho pequenino, muito querido e que veio ao mundo na hora que quis.

12 Responses

  1. Marta Cabral

    E todo mundo que estava comigo na faculdade entendeu meus soluços.
    Abrace várias meninas. … menos a minha. ..

  2. Simone Camargo Rocha

    Cheguei no seu blog hoje e já amei. Agora vou passar um bom tempo passeando por ele! rsrsrs. Parabéns por sua experiência, seu relato… Muita emoção.

  3. Simone Camargo Rocha

    Cheguei hoje no seu blog e já amei. Entrei por uma sugestão de viagem e encontrei uma outra paixão minha. Parabéns pela experiência, pelo relato… Muita emoção!

  4. Andre Sena Pereira

    Meus parabéns. Filhos são bênçãos de DEUS.
    Não conhecermos seu blog antes. Somos de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Estivemos, eu, minha esposa, três filhas e um filho, em Aix-en-Provence de 15 a 18/10. Foi maravilhoso. Ficamos em um apartamento pelo airBnb. Uma ótima experiência. Nossa anfitriã foi extremamente agradável. Pudemos conhecer Nice e algumas vinícolas. E compreendi o real sentido do Rosé de Provence.
    Deus abençoe vocês eo Victor.
    André Sena
    Cachoeiro/ES

  5. Heloisa Krieger

    Fotos lindas, relato emocionante… Sou de Floripa e conheci teu blog porque estou planejando "a" viagem pra França em julho 2016 e estou adorando! Dicas ótimas, posts cativantes… Parabéns! Que o Victor te traga muita felicidade!

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