Livros e filmes franceses pra aperfeiçoar o idioma

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A biblioteca de Aix-en-Provence

Durante 7 anos trabalhei como professora de inglês e sempre disse aos meus alunos que me perguntavam o que fazer pra aumentar vocabulário e até mesmo melhorar a fluência que, não estando em imersão no idioma e usando somente durante as aulas, uma boa opção para desenvolver é através da leitura, seja ela de jornais, artigos e livros. E quando me vi diante da tarefa de aprender francês não hesitei em usar todos os meios possíveis pra acelerar o aprendizado, por isso tão logo me senti segura o suficiente pra entender um texto sem consultar o dicionário à cada cinco palavras, decidi que seria interessante me lançar no mundo da literatura do idioma de Proust – não, ainda não li “Em busca do tempo perdido”. 

Mas não foi apenas a leitura que me ajudou: escutar francês, mesmo entendendo pouquíssimo no início, me habituou à musicalidade do idioma, e pra isso a televisão foi importante, assistia programas de culinária em francês diariamente e em pouco tempo conhecia todo o vocabulário de feira, além de receitinhas bem apetitosas – Claude Troisgros e Olivier Anquier, cuidem-se! Infelizmente, meus programas culinários preferidos não podem ser vistos através do site no Brasil por causa das restrições geográficas – também não posso assistir vários vídeos dos sites brasileiros, chato assim. Mas, nem todos os sites onde assisto programas super legais, como os de viagem, por exemplo, têm essas restrições, e o site da France3 é um deles, o programa Des racines et des ailes é boa forma de unir o exercício de escuta do francês à descoberta de lugares maravilhosos França afora. 
Dentre leituras feitas e filmes assistidos ao longo desses três anos, tenho uma listinha de preferidos, que não é exaustiva:

René Goscinny e ilustrações de Jean-Jacques Sempé, Le petit Nicolas

Esse foi o primeiro livro da listinha francesa, um livro infantil, mas divertidíssimo – acho que de vez em quando precisamos alimentar a criança que mora dentro de cada um de nós. São pequenas histórias que se passam nos anos 1950 e contam as trapalhadas do cotidiano de um garoto de cerca de 7 anos na escola e com amigos pra lá de travessos e divertidos. Em 2009 o livrinho divertido ganhou as telonas numa versão igualmente divertida e que garante riso fácil, merece ser visto.








David Foenkinos, La délicatesse e Nos séparations

Cai de amores pela narrativa de Foenkinos ainda durante o curso de francês, quando o professor nos passou uma pequena amostra do primeiro livro que li do autor, o início do romance:

“François pensou: se ela pede um descafeinado, eu me levanto e vou embora. É a bebida menos convivial que existe. Um chá, não é nada melhor. A gente sente que vai passar as tardes de domingo assistindo televisão. Ou pior: na casa dos sogros. Finalmente, ele se diz que um suco este seria bom. Sim, um suco, é simpático. É convivial e não muito agressivo. Sente-se a moça doce e equilibrada. É melhor se esquivar dos grandes clássicos: evitemos a maçã ou a laranja, muito óbvios. Deve ser um pouco original, sem entretanto ser excêntrico. O mamão ou a goiaba, estes dão medo. Um suco de abricot, este seria perfeito. Se ela escolhe um suco de abricot, eu me caso com ela… – Eu gostaria de um suco… um suco de abricot, eu acho, respondeu Nathalie. Ele a olhou como se ela fosse uma ruptura da realidade.” Inútil dizer que li o romance rapidamente, e que me enchi de expectativas quando vi que seria adaptado ao cinema, tendo como roteirista o próprio autor, e Audrey Tautou no papel de Nathalie (gostei mais ainda dela atuando nesse filme do que em Amélie Poulain, mas gosto é a tal coisa, cada um tem o seu). O filme estreou no Brasil com o título “A delicadeza do amor”, e não encontrei versão em português do livro – posso me candidatar a traduzir?

Quanto ao romance Nos séparations, a trama é outra: um casal que se encontra na juventude e por conta de diferenças acabam se separando em diferentes momentos da vida. O enredo é de balançar, questionamentos interessantes sobre relacionamentos são feitos, não necessariamente relacionamentos amorosos, apesar de ser este o tema do romance. Em alguns momentos, senti como uma pílula amarga, mas daquelas que temos de engolir mesmo, porque nem tudo é doce nessa vida. Ri muito ao longo do livro e, claro, chorei copiosamente no final – também chorei no final de La délicatesse. Concluindo, Foenkinos é um escritor que me faz rir e chorar com a mesma facilidade, e por isso mesmo me dá vontade de continuar a ler.

Amélie Nothomb, Les catilinaires
O título, As catilinárias, faz referência aos discursos de Cícero contra Catilina, este último pretendia tomar o poder romano e conseguir riquezas. Esse livro é outra indicação feita pelo professor de francês na época do curso, e o estilo de Amélie Nothomb me surpreendeu: ela descreve a morbidez da alma humana sem censuras e com uma exatidão que chega a dar calafrios. O enredo: “A solidão à dois, tal era o sonho de Émile e Juliette. Uma casa nos confins do bosque para terminar seus dias, um ao lado do outro. Estranhamente, essa tebaida perfeita continha um vizinho. Um chamado Palamède Bernardin, que primeiro veio se apresentar, depois criou o hábito de se encrustrar na casa vizinha todas as tardes, de quatro à seis horas. Sem dizer palavra, ou quase. E essa presença absurda vai pouco a pouco virar mais incômoda para o casal do que todas as multidões do mundo… É uma comédia bem negra, de uma lucidez por vezes engraçada e devastadora, que nos oferece aqui a autora de “Higiene do assassino” e “Estupor e tremores”. O livro me despertou uma série de sentimentos, por vezes opostos, ao longo da leitura, uma qualidade que aprecio bastante quando escolho minhas leituras.

Alexandre Dumas, Le comte de Monte Cristo
Mestre do estilo de romance histórico, Dumas criou intrigas e deu vida a personagens de forma tão verossímil que poderíamos acreditar que ele nos transmite um relato fiel à realidade, e esse é seu grande trunfo. Dumas frenquentava a corte e testemunhou de perto todas as intrigas, traições, corrupção e jogos de interesses que cercam o poder, e se serviu desse conhecimento como pano de fundo para seus romances mundialmente conhecidos. O Conde de Monte Cristo mostra bem como o jogo de interesses por trás de uma conspiração pode se servir de pessoas totalmente inocentes como peões num tabuleiro de xadrez. O contexto histórico: a conspiração para trazer Napoleão de volta da ilha de Elba, seu primeiro exílio ultra-marinho, e o esquema orquestrado por aqueles que estavam no poder para impedi-lo, e impedir uma série de escândalos ligados à conspiração, que causariam choques de interesses monumentais. No meio da tormenta e completamente alheios ao que se passava, um jovem casal cuja única ambição é a união matrimonial, e que são pegos nessa engrenagem complexa à despeito deles próprios. A história tem início em Marselha e vai até Paris, com capítulos tendo como palco Roma. A trama romântica também tem fundamento na realidade: um caso similar foi registrado pela polícia de Nîmes no século XIX, dando à Dumas o fio condutor da trama, um triângulo amoroso menos trágico que o pintado por Shakespeare em “Otelo”. Gérard Depardieu estrelou a adaptação cinematográfica da obra – prefiro a vesão francesa, seja ela dublada ou legendada, à versão americana que, apesar de ter Jim Caviezel no papel de Edmond Dantes/Conde de Monte Cristo, pecou quanto às locações (o Château d’If da versão americana não é o que vemos em Marselha, por exemplo) e não fez jus à complexidade do personagem, reduzindo-o, na minha humilde opinião, à um canalha.

O livro é imenso – a edição de bolso tem dois volumes que, claramente, não cabem no bolso, são cerca de 500 páginas cada volume.

Nancy Huston, Nord Perdu
Um dos livros nos quais me baseei no trabalho de monografia do primeiro ano do mestrado, a canadense Nancy Huston nos oferece um relato de suas experiências de aprendizado da língua francesa, reconhecendo suas limitações e antecipando situações que viverá na velhice quando, ao lado do marido búlgaro, tendo o francês como idioma de comunicação, começarão a perder palavras, os substantivos em primeiro lugar, e se comunicarão através de gestos, ou quando ela afirma não sentir nenhum efeito ao dizer ou ouvir um palavrão em outro idioma que não a língua materna, dizendo que palavras que vem do dicionário são completamente desprovidas de afeto e portanto não lhe causam o mesmo efeito que causam sobre um nativo.

Eliette Abécassis, Une affaire conjugale
Li metade do livro no avião, quando fomos pro Brasil em dezembro. Entrei no avião, me acomodei na minha poltroninha e me lancei nesse romance que fala sobre o fim de um relacionamento e como a esposa tenta se reconstruir. Não é mamão com açúcar, tem toda uma questão de perversão narcísica e ciúme ao longo da história, e um intriga interessante se desenrola no meio da luta pelo divórcio e guarda dos filhos do casal.

17 Responses

  1. Milena F.

    Para mim a leitura é fundamental e gosto de todos esses escritoes apenas esse do Nord Perdu ainda não li.
    Gosto da Abecassis, já leu o livro dela sobre a gravidez (Un heureux événement)? Quem ainda não sabe se quer ter filho, melhor nem ler, dá medo!!!
    Estou sem tv há mais de 2 anos… e agora quase nem sinto falta, mas no início me ajudou muito! Tb gosto das músicas, e Cabrel foi quemmais me ajudou no idioma, após o meu marido! kkk

  2. Giselle Gurgel

    Ótimas dicas, Natalia! Eu também tento sempre ler livros em alemão, mas infelizmente estou um nível abaixo, isto é, só consigo ler livros bobinhos adolescentes do estilos "gossip girl". É engraçado voltar a ler textos estilo Capricho, que lia com 14 anos. Aí, quando estou cansada de ler sobre garotos eu tiro férias do idioma e leio um livro em português mesmo, para não emburrecer. Um dia chego lá! Bjs

  3. Natalia Itabayana Junqueira de Mattos

    Adorei Abécassis, vou procurar o livro que você sugeriu!
    Assistimos cada vez menos tv, ela serve mais como monitor pro computador ultimamente, mas ela me ajudou bastante, no meu caso o marido é brazuca, mas me ajudou muito também porque ja falava francês quando viemos pra ca!

  4. Natalia Itabayana Junqueira de Mattos

    Gi, revistas são excelente fonte de vocabulario atualizado e corrente, não importa se são juvenis – acho que melhor ainda, ficamos por dentro das girias (grande falha minha, não uso girias nem em português). O importante é se impregnar do idioma pra incorporar não so o sentido literal e conotativo das palavras, mas pra atribuir afeto à elas também. E alemão é idioma dificil, courage que o empenho compensa!

  5. Fernando

    Boa noite Natalia. Seu blog está ótimo! Estou procurando livros num nível inicial. Pensei no Le petit prince e você já mencionou o Le petit Nicolas, seguindo a linha de livros infantis você poderia me indicar outros?
    Obrigado!

  6. Fabio Pastorello

    Oi, Natalia. Estou querendo buscar algumas referências cinematográficas de filmes gravados no sul da França para o meu blog e para minha viagem em junho. Já tenho alguns filmes em mente, entre eles Ladrão de Casaca do Hitchcock e Hors de Prix com a Audrey Tatou que foram gravados aí no sul da França, mas ainda vou buscar mais pela memória e pelo Google. Se você lembrar de algum filme legal, poderia me dizer? Abração, Fábio (@viagenscine)

  7. Natalia Itabayana

    Ei Fabio!
    Taí um post que devo há tempos, sobre filmed ambientados por aqui! De cabeça me vem "Um ani bom" com Russel Crowe, mas pode deixar que a pesquisa pro post foi iniciada e em breve publico!

  8. Andressa Munhoz

    Hoje me lancei na vontade de realizar um sonho que é falar francês, adorei as dicas, algumas até já conhecia. Tua escrita é muito boa. Abraço (;

  9. Heloisa Krieger

    Oi Natalia! Estou dando uma olhada nas tuas dicas de livros, incluí vários na minha lista. Também já li Le Petit Nicolas, é uma graça, faz a gente voltar na infância… Linguagem divertida e simples, legal para principiantes também. Abraços!

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