“La belle de l’été” *

postado em: Quatro Estações | 1
Não, não errei o nome da deliciosa música do Alceu Valença, “La belle de jour”. *A bela do verão em questão tem a pele por vezes rosada com textura de veludo, um perfume suave, é carnuda e suculenta, pode ter o interior branco, vermelho ou amarelo, e é uma fruta a que geralmente fazemos alusão quando queremos elogiar a tez bem cuidada de alguém, e cuja estação de florada é o verão. E por que o pêssego merece que eu lhe consacre todo um texto? Eu não comia pêssego no Brasil? Ora, e se comia! Acontece que minha percepção de mundo mudou um pouco depois que comecei a selecionar os alimentos que entram aqui em casa, e explico como isso aconteceu. (Em francês, pêssego é “ela”, por isso o título e descrição no gênero feminino.)
Quando eu morava no Brasil, geralmente eu não me ocupava da compra dos alimentos (luxos de morar em casa de mãe, e depois passar temporada em casa de sogra), então me restringia a comer as frutas que entravam em casa, e o pêssego fazia parte delas eventualmente. Eu pisava no supermercado pra comprar extravagâncias gastrônomicas (o termo pode englobar tanto cereais integrais da marca X ou Y – dependendo do que eu queria comer na semana – quanto salgadinhos, de preferência Fandangos – que hoje nem sinto mais falta, de verdade), só passando pela parte de frutas e legumes porque se encontrava no caminho pros produtos que eu queria comprar. Chegando aqui, a coisa mudou de figura, e se não fôssemos nós mesmos ao supermercado, bom, eu não teria escrito este texto.
O que mudou de fato foi a forma como escolho as frutas e os legumes. Quando acompanhava minha mãe, ela fazia a maior parte do trabalho, e o que eu escolhia tinha sido passado por breve análise visual e pronto. Aqui, de tanto ver os franceses analisarem cor, tamanho e textura mas também sentir o perfume das frutas e legumes, acabei me habituando a fazer o mesmo, e minha rotina de compras de comida mudou. Hoje, depois de meses sem comer pêssegos, peguei minha bicicleta e fui ao simpático mercadinho que fica numa fazenda aqui perto, (assim, uma coisa bem provençal mesmo, bicicleta com cestinha, compras na fazenda, cheiro de lavanda e pinho pelo caminho), com o objetivo de abastecer a geladeira, mas com a missão de trazer também meus tão desejados pêssegos.
Como tudo que é bom fica pro fim, deixei pra escolher as delícias do verão por último, e evitei mesmo dar uma espiada na bancada onde eles estavam expostos, pra não correr o risco de voltar pra casa só com pêssegos e acabar obrigando Bernardo a uma dieta monossaborosa. Mas não foi o pêssego a primeira fruta a me aguçar o paladar e despertar agradáveis memórias olfativas: a maçã se interpôs em meu caminho e, pra minha felicidade, cheirava tão deliciosamente bem quanto o perfume Nina da Nina Ricci cujo frasco tem seu formato, com a diferença que esta maçã que estava em minha mão poderia ser comida e a outra, não.
De repente, me deparei com ele me esperando logo à frente, rosadinho como se estivesse envergonhado, exalando um perfume doce, suave, um convite sutil pra que eu me aproximasse. Juro que meu coração bateu mais forte quando peguei um pêssego pra sentir seu perfume, e a memória olfativa, aguçada que só ela, entrou em ação no mesmo instante, e a emoção tomou conta de mim. Os quase quatro quilômetros que pedalei do mercadinho até minha casa foram preenchidos por um só pensamento: quando chegasse em casa, seria recompensada com um delicioso pêssego. E voltei com minha cestinha e mochila cheias de legumes e frutas, mas pra mim só existia o pêssego. E ele foi degustado, cada mordida despertava uma sensação, que foi melhor que a de comer chocolate depois de uma longa privação do doce.
Antes que pensem que fiquei louca, ou fresca, preciso esclarecer: aqui não tem a oferta de frutas e legumes que temos o ano todo no Brasil, as estações tem enorme poder de decisão no que diz respeito à alimentação, o clima não favorece, por exemplo, que abóboras brotem no verão (e também não dá pra comer um creme de abóboras quando o termômetro marca mais de 30° e o sol se põe depois das 21 horas). O pêssego então, sendo fruta estival, ficou sumido desde o final de setembro passado, por isso mereceu todo um texto, porque a sensação que tive ao comê-lo hoje foi a de sair de uma longa abstinência gastronômica imposta não por uma dieta draconiana, mas pela força da mãe natureza.
Delícias do verão: pêssego e manjericão

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