Depois de quase quatorze horas de viagem, turbulências sobre o Atlântico, nada como um belo banho, um bom jantar, uma taça de vinho e uma cama quentinha e confortável pra recarregar as energias. Dormimos como bebês e foi ao acordar e abrir a porta do quarto que dava para o quintal que vimos um imenso gramado, a piscina e nenhum prédio ao redor, somente o céu azul da Provença, um azul que meus olhos não cansam de apreciar toda manhã e tarde, um azul que não deixa de me surpreender a cada dia.
As manhãs de início de primavera são um tanto frescas, em torno de 10° a 12°, mas à tarde a temperatura pode facilmente chegar à 20°. Com chuva elas ficam mais baixas, mas é só a chuva parar pra variação ser bastante grande. Tomamos nosso café da manhã e fomos visitar o primeiro apartamento que Laurence tinha selecionado pra nos mostrar. O prédio ficava a cerca de dois quilômetros de onde estávamos hospedados e a proprietária do apartamento nos aguardava na frente do prédio, vestindo um sobretudo quentinho, e foi ali que vi a primeira europeia como eu conhecia, porque Laurence usava so uma jaqueta de couro e um cachecol, e eu sempre pensei no sobretudo como roupa de frio tipicamente europeia, talvez porque fosse o que eu vestia e via quase sempre quando estive na Suíça, em 2004.
Bernardo fez todas as perguntas, e eu, ignorando qualquer palavra em francês, simplesmente fazia cara de paisagem. O apartamento era bastante pequeno, mas simpático, no térreo, um quarto com banheiro, a sala e cozinha juntas, um quintal, uma vaga de garagem. Um detalhe importante nas construções europeias: banheiro e chuveiro/ducha/banheira geralmente são dois cômodos separados. Pra gente é estranho, pra eles é normal. Nas construções mais novas encontramos tudo junto, mas não são todas assim. E o primeiro apartamento visitado era desse jeito, talvez porque fosse novo e pequeno, mas não era estranho pra gente. A cozinha ja estava equipada, faltava só um forno, mas os outros eletrodomésticos estavam lá: lava-louça, lava-roupa, geladeira e fogão. Tudo em tamanho miniatura, como o apartamento, de 35 m2. Era o primeiro, ainda faltavam cinco outros que ela havia selecionado para nossas visitas.
Fomos ao segundo, que como o primeiro contava com um quarto, banheiro, sala e cozinha e uma varanda simpática, com uma bela vista pro campo. Ali me dei conta de que tinha realmente me mudado pra roça, mas que aqui chamamos carinhosamente de « campagne » e que é o destino dos sonhos de muitos que habitam cidades grandes e populosas. A garagem deste era coberta, o que aqui é um ponto importante, uma vez que o inverno cai por essas terras e o mistral sopra impiedoso, o orvalho congela nos vidros dos carros e causa incômodo ao proprietário que precisa sair pro trabalho, mas antes tem que limpar o gelo do vidro. Visitaríamos os outros apartamentos à tarde, agora era hora do almoço.
Laurence nos levou a um restaurante no centro de Aix-en-Provence, cidade onde iríamos morar, um pouco longe do trabalho do Bernardo, mas onde está a universidade, o que fica mais fácil pra eu estudar. Não somos os únicos brasileiros que vieram pra França pela empresa, são mais três casais e dois solteiros. No restaurante conhecemos uma das meninas, Thais, esposa do Bruno, que chegaram em novembro. Thais já falava bem o francês, e eu ficava imaginando em quanto tempo conseguiria me comunicar…
O cardápio estava ali, diante dos meus olhos, cheio de pratos em francês, e eu conseguia identificar apenas algumas palavras. Bernardo perguntou se eu queria ajuda, eu disse que escolheria sozinha. Escolhi uma entrada, sopa de peixe, e um prato que eu sabia que tinha purê de batata e carne de novilho. Bernardo me preveniu que a comida aqui seria sempre uma surpresa… Eu estava aqui, então que viesse a surpresa. Laurence olhou bastante inquieta, sabendo o que eu havia pedido, mas Bernardo disse que não teria problema, que eu não queria por enquanto saber o que era, preferia esperar o prato chegar. Veio a sopa, fui a única que pediu entrada, todos preferiram prato e sobremesa. Depois veio o prato: um purê lindo, legumes e a carne. Bernardo me olhou, sabendo o que estava no prato, e eu disse que não queria saber até experimentar. Começamos a comer, e depois de um tempo Bernardo pergunta se queria saber o que era, eu disse que parecia alguma víscera por causa da textura, foi então que Thais, muito tranquila, vira e fala com toda naturalidade: « Isso é testículo ». Bom, se eu soubesse jamais teria pedido, e eu tinha gostado, foi uma boa surpresa. Terminamos a refeição, que durou uma boa hora e meia, como toda boa refeição francesa, e fomos visitar o terceiro apartamento, este localizado no centro.
Entramos no prédio e tive uma impressão já não muito favorável: o prédio era velho, com carpete nas paredes do hall. Quando entramos no apartamento, bateu um desespero: velho, com cheiro de tinta, estava sendo renovado, mas não me agradou de jeito nenhum. Teríamos problemas com certeza se nos mudássemos pra lá, fiquei imaginando quantas vezes a tubulação velha poderia nos irritar. Visitaríamos outro apartamento no centro, perto daquele, e Laurence nos preveniu que ele seria semelhante. Descemos pra portaria, onde ficamos um tempo porque uma chuva nos prendeu ali, e quando ela nos perguntou o que achávamos daquele apartamento, olhei pra Bernardo e disse que não queria morar no centro de jeito nenhum, nem precisava ver o outro apartamento, e uma lágrima de desespero não conseguiu se conter e rolou pelo meu rosto. Não visitamos o segundo apartamento no centro, e os outros dois apartamentos seriam visitados somente por nós dois, e ficavam perto da casa da Thais, que nos acompanhou. Eram dois apartamentos no mesmo prédio, um no térreo e o outro no segundo andar, ambos com varanda, mas não nos agradaram muito. Voltamos pra casa da Aline, onde estávamos hospedados, e fomos ponderar nossas opções de moradia…
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