Dizer adeus sendo expatriado: a perda à distância

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hora de dizer adeus

 

Morar fora é um exercício constante de desapego, de redefinição pessoal, de superação de desafios. Isso todo mundo que procura informação sobre a expatriação deve ter lido num ou noutro texto. Mas nem tudo é o glamour comumente difundido nas redes sociais através de fotos ou pequenos textos. “Sempre que nos despedimos de alguém, é potencialmente a última despedida.” Essa frase me acompanha cada vez que arrumo as malas pra voltar do Brasil. O que mais me dói na hora de dizer adeus é saber que ela tem um grande fundo de verdade.

Dizer adeus nunca é fácil. Ao longo desses quase oito anos morando fora, muitas foram as despedidas de fato que aconteceram. Para algumas, fui preparada à conta-gotas, enquanto outras chegaram de supetão, sem pedir licença, avassaladoras. Nunca é fácil dar aquele abraço de despedida, dizer “até logo”, pois é uma certeza que não é nossa. Jogamos com as palavras, lançamos uma promessa no ar, promessa que não depende só de nós sustentar.

Dia desses, enquanto ouvia o Livre podcast, excelente bate-papo entre duas queridas brilhantes, me identifiquei com muito do que foi dito pela Magê no episódio sobre vida na Europa. Frequentemente sou indagada sobre meu grau de “mal do país”, a saudade de casa para os franceses. Com ar surpreso eles recebem minha resposta. Não sinto saudade do Brasil enquanto país. Sinto saudade das pessoas que lá deixei. Das histórias que por lá vivi. De coisas que estão tão distantes que é inútil o esforço de busca.

Além do podcast, Rapha escreve o Raphinadas, blog de viagens requintado como só ela sabe ser, e Magê comanda o Milão nas mãos, primeiro blog para brasileiros sobre Milão. Elas também produzem conteúdo extra sobre os programas do podcast no site do Livre.

Aprendendo com o tempo

Claro que nunca fico indiferente quando ouço o anúncio que me recepciona, ainda no avião, ao aeroporto brasileiro. Meus olhos marejam. Sempre vão marejar. Marejam também em todas as viagens que faço, pouco importa o destino. Mas as lágrimas que me embaçam a vista quando pouso em solo brasileiro tem tempero especial. Tem esse sal de uma terra das primeiras descobertas. Essa composição que forjou parte de quem sou hoje. Outra parte é fruto do que vivi do lado de cá do atlântico. Das lágrimas que aqui derramei enquanto me despedi, à distância, de pessoas queridas.

A hora de dizer adeus não obedece o tempo cronológico ao qual estamos acostumados. Ela pode acontecer meses antes. Anos, por vezes. Vem em prestações. Mas nunca, nunca é fácil receber a notícia de que foi dado o último suspiro. De que o último abraço é o que resta. Daquela ausência antecipada, mas vivida na realidade com um atraso. Porque ela só dá as caras de verdade quando voltamos à origem, quando nos confrontamos com o vazio deixado pela pessoa que se foi.

O que aprendi com o tempo foi a demonstrar menos, diante daqueles que ficam, a dor que acompanha quando as ausências se fazem realidade. Minha dor não é maior que a de ninguém. Tampouco mais especial. Mas por vezes sua intensidade se manifesta com certo atraso em relação à dor de quem fica.

Uma questão de perspectiva

Minhas perdas até hoje foram remotas: sempre aconteceram enquanto eu estava distante. Mesmo quando vivi uma perda enquanto em viagem ao Brasil, ela se passou em outro estado. Ficou aquele lapso de tempo entre o anúncio da partida e o momento em que a “ficha cai”. O momento em que se constata aquela ausência na reunião de família. Quando os verbos usados são conjugados no passado. Quando a voz embarga ao evocar o nome.

Isso também é vivido por quem fica, claro que é. A diferença é que, pra quem ta longe, temos também de enfrentar o “fuso horário da ausência”. Daí que, entre o adeus de longe e a hora de dizer adeus do retorno, um grande espaço de tempo pode se extender. Nesse meio tempo, são as lembranças mais doces que embalam os momentos de pensamento dedicado à quem se foi. Tentar se apegar à elas é uma forma de lidar com essa distância espaço-temporal.

A dor maior ao dizer adeus

Ao longo desses quase oito anos de vida na Europa, acumulamos muitas despedidas. As duas avós e meu avô materno se foram, e este vai ser um natal especialmente difícil pra mim. O que senti no momento que confirmei a viagem foi um nó na garganta. A geração dos avós vive pra sempre em mim, em quem sou, na minha memória, mas não sentirei mais o cheiro dos meus velhinhos. Vic felizmente poderá abraçar todos seus avós, de quebra uma bisa também. E eu preciso sentir a minha dor lá, onde ela vira realidade, pra passar pra etapa seguinte do meu luto. Houver perdas também na família do Bernardo. Além disso, perdemos animais de estimação que alegraram parte das nossas vidas ainda no Brasil. 

O mais difícil nesse processo todo pra mim é estar longe de quem perde. Não poder oferecer e receber o consolo imediatamente, o afago através de um abraço apertado. Me doeu muito não dar colo pra minha mãe quando ela se despediu primeiro da sua mãe, depois do seu pai. Dez mil quilômetros é distância demais a ser preenchida por esses meus braços. As palavras viajam numa velocidade quase instantânea, mas o abraço sempre chega depois. Tanto os de adeus como os de boas-vindas. 

Sempre é mais difícil pra mim voltar depois de uma grande perda. São mil e uma desculpas pra não querer ir. Mas no fundo o coração vai, apertado sabendo que um abraço não vai ser repetido. Que aquele que potencialmente era tornou-se, efetivamente, o último, numa hora de dizer adeus um pouco antecipada.

 

 

 

 

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