Turismo enogastronômico no Mont Ventoux, Provença

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Turismo enogastronômico

A Provença é uma região muito propícia ao turismo enogastronômico: são inúmeras rotas do vinho que percorrem os mais pitorescos vilarejos, sem falar na riqueza da gastronomia local.É um fato incontestável que a região é muito procurada durante a temporada estival, principalmente em função dos campos de lavanda. Mas acho que a melhor época para fazer turismo enogastronômico por aqui é no inverno. Quer jeito melhor de espantar o friozinho que com os pés perto de uma lareira ou cobertos por uma manta quente, e uma mesa farta em quitudes e regada à bom vinho provençal?

Este foi um dos momentos que eu mais aguardei dessa viagem pela região de Carpentras e Mont Ventoux: participar de um atelier culinário sobre vinhos e trufas. A proposta do atelier foi valorizar a riqueza dos produtos locais, e propor harmonização entre pratos simples, porém saborosos, e os vinhos do Mont Ventoux. O sabor sazonal dado aos pratos ficou por conta da trufa de Carpentras, o ouro negro da região.

Nosso passeio começou cedinho naquele sábado frio de fim de outono. Deixamos cedo nossa casinha quentinha e fomos confrontadas à fria realidade de temperaturas negativas, num domingo sem um nuvem no céu.  Percorremos de carro as sinuosas estradas do entorno do Mont Ventoux e pudemos assistir o sol nascer e iluminar o topo das Dentelles de Montmirail. O nome significa “rendas de Montmirail” e se refere à forma esculpida no topo do relevo. A formação rochosa que se ergue entre um e outro vilarejo encrustrado nas pedras é de beleza ímpar e deixa o horizonte mais belo. Paramos por alguns minutos aos pés do vilarejo de La Roque-Alric, que ainda dormia, e contemplamos o momento que o sol iluminou o vale.

Turismo enogastronômico: atelier de culinária

Nosso atelier aconteceu no espaço Vignerons de Caractèreuma cave cooperativa criada em 1956 que reúne 80 famílias de produtores locais distribuídos em 800 hectares de terras cultivadas. Localizada na entrada da cidade de Vaqueyras, o espaço de vendas reúne os rótulos da região do Mont Ventoux, como Gigondas e Vacqueyras. Outros produtos típicos da região, como mel, patês e azeites, também são vendidos na boutique, que conta também com grande opção de acessórios para amantes do vinho. Além dos produtos no espaço de vendas e no site há também a proposta de experiências com foco no turismos enogastronômico, como passeios e degustações. O atelier que fomos convidadas à participar* é uma das atividades organizadas pela cave.

Papilas em festa

O menu proposto pela chef tinha uma seleção de pratos elaborados para ocasiões especiais. O ingrediente especial, que deu o sabor de festas natalinas e comum a todos os pratos, foi a trufa. A trufa de Carpentras tem excelente reputação e é comercializada na feira  da cidade às sextas-feiras pela manhã, ditando o preço da iguaria pela França. Na época que antecede o natal o preço atinge valores estratosféricos, podendo ultrapassar 1000 euros/kg.

Por se tratar de iguaria muito apreciada no período natalino, os preços são bem salgados nessa época. Mas quem pretende sentir ao menos um toque trufado na ceia de natal, há opções de produtos mais acessíveis. O mel trufado é uma opção mais econômica, assim como azeite trufado. Outra dica da chef: comprar trufas à partir de janeiro. Os preços caem após o natal, chegando à metade do valor anterior às festas. E o período continua sendo muito apropriado pro turismo enogastronômico.

Aprendendo com chefs franceses

Quando chegamos à cave, nos juntamos ao grupo que participava do atelier, recém-começado. Recebemos um documento com as indicações dos pratos a serem preparados, e os vinhos que harmonizam com cada um. Eu imaginei que iríamos pôr a mão na massa, mas éramos um grupo grande. Além disso, estávamos em uma grande cozinha de restaurante, sem condições para tal. O atelier aconteceu na cozinha do antigo restaurante da cave, hoje usado para atividades. Fomos espectadores, mas a jovem chef nos guiou de forma extremamente didática. Todos puderam acompanhar as etapas de preparação de cada prato. A clareza na explicação de técnicas e preparo de ingredientes tornaram o momento muito convivial.

Apesar de alguns ingredientes pouco habituais, como filé de pombo e mesmo as trufas, o ponto alto do experiência foi aprender técnicas. O filé de pombo – que eu experimentei pela primeira vez – foi preparado em forma de suprême. A chef nos mostrou como transformar um filé de ave, ingrediente simples, em algo elaborado. Com recheio saboroso, no caso a trufa, e usando filme alimentar para cozimento. Adorei aprender a técnica de enrolar o filé no filme para cozinhar, técnicas diferentes variam as refeições cotidianas.

O segredo está na simplicidade

Grande parte dos ingredientes usados era simples, sendo acessíveis e encontrados em qualquer feira. Com exceção do filé de pombo, foie gras e trufa, que podem ser substituídos, as receitas são simples e fáceis. A proposta era criar um menu integrando trufa em todos os pratos, e harmonizar um vinho com cada prato proposto.

Começamos pelo creme de cogumelos e trufas, acompanhado de torradinhas para o toque crocante. A receita é simples: 500g de cogumelos de Paris, 1 litro de caldo de carne ou legumes, um pouco de manteiga e 150ml de creme de leite líquido. Picar grosseiramente os cogumelos, refogar na menteiga e em seguida cozinhar no caldo durante 20 minutos. Acrescentar o creme de leite e bater no liquidificador ou mixer para homogeneizar. Picar a trufa e colocar no fundo das tigelas antes de servir, cobrir com pedaços de torrada. Para harmonizar, a escolha feita foi o vinho branco Dom Venitia.

O segundo prato foi um risotto de trufas muito saboroso, e a dica da chef pra incrementar o risotto foi usar muita cebola. Ela explicou que aprendeu a cozinhar vendo sua avó italiana na cozinha, que era generosa com cebola na receita. Para a chef, é esse ingrediente simples que confere grande sabor aos pratos, inclusive risotto.

O passo a passo do risotto é bem minucioso: cobrir o arroz, após ser refogado em cebola, com vinho branco. Quando o vinho evapora, cobrir com caldo de galinha até evaporar, e repetir a operação com o caldo 8 vezes no total. Ao final, acrescentar creme de leite fresco e parmesão ralado, sal e pimenta do reino a gosto, e um pouco de manteiga para brilho. A trufa é servida por cima, numa fatia fina, porém generosa. O prato foi acompanhado por um vinho branco Cru des Côtes du Rhône, Vacqueyras Seigneur de Fontimple Blanc.

Descobrindo sabores

Visualize um pombo. Certamente, uma ave suscita reações antagônicas: há quem ame, há quem odeie. A ave simboliza a paz, mas também faz qualquer praça parecer um campo de batalhas. Basta jogar um punhado de milho no meio dos pombos. Tenho uma relação um tanto conturbada com pombos: eles se empoleiram na minha janela e sujam o parapeito. Talvez nunca tenha imaginado que um dia teria um pombo no meu prato. Não aquele da praça, ou do parapeito da minha janela.

Confesso que fiquei curiosa quando vi a chef preparando os filés de peito de pombo que iríamos degustar logo mais. Sempre que vou ao mercado vejo o bichinho lá, pronto pra ir pra panela. Mas nunca me despertou curiosidade ou abriu apetite. O preço também não é lá dos mais convidativos para consumo no dia a dia. Apesar de saber que os pombos são criados, sempre me vinha em mente o intruso no parapeito da minha janela.

Talvez eu nunca terei a destreza da chef para separar os filés, preferindo deixar o trabalho pro açougueiro. Mas adorei aprender as técnicas usadas para transformar o filé simples em um supremo recheado com foie gras e trufa. Imediatamente pensei em outros recheios que poderia adaptar ao meu dia a dia. Um queijo bem saboroso, ou alguns legumes, até mesmo um creme de milho. Para acompanhar esta descoberta culinária, meu vinho tinto preferido da região do Mont Ventoux, Gigondas Pas de Montmirail (trouxe duas garrafas pra casa!)

Para encerrar a degustação com uma nota adocicada, tivemos mel trufado sobre torradas com queijo de cabra. O Muscat é vinho ideal para harmonizar com sobremesas e queijos leves, como de cabra. A preparação das torradas é simples: cortar baguette em rodelas e levar ao forno a 90° por cerca de 10 minutos, com uma fatia de queijo de cabra. Colocar o mel sobre o queijo ao retirar do forno, e servir acompanhado do vinho.

Explorando o patrimônio

A experiência de turismo enogastronômico não teria sido completa se não tivéssemos feito um itinerário cuidadosamente escolhido por nossa cicerone. Ela fez questão de nos mostrar, mesmo que rapidamente, os vilarejos com monumentos históricos interessantes, como o castelo no vilarejo de Barroux, e ainda as numerosas abadias da região. Paramos numa igreja em estilo românico na entrada de Beaumes de Venise, Notre Dame d’Aubune, que infelizmente estava fechada. A igreja possui um jardim de ervas medicinais, além de ser ponto de passagem para uma série de trilhas. Ela também fica próxima à cave da cidade, que pertence à cooperativa Rhonéa, que visitamos em seguida. Nosso passeio terminou em Carpentras, onde visitamos outras atrações do festival Noëls Insolites, com destaque para a feira de santons que acontece na igreja do colégio (uma antiga igreja transformada em espaço de exposições).

Carpentras Noëls Insolites 

7 Responses

  1. Veronica Aparecida Fonseca

    Fantásticas as suas postagens.
    Estou com viagem marcada para Sul da França para 15 de maio próximo. Como sou Chef muito me valeu suas dicas.

    • Natalia Itabayana

      Ei Veronica!
      Que bom que as dicas tem ajudado!

  2. Débora Resende

    Uma experiência diferente e muito interessante! Mesmo para quem não curte vinho, é uma oportunidade de conhecer a cultura do local =) Adorei!

  3. Fernanda Freitas

    Oii, nossa que interessante isso de turismo enogastronomico, e pelo que vc descreveu vai muito além da degustação, é uma experiência de imersão na cultura local, Adorei =)
    As fotos estão tão lindas, deu vontade de conhecer

    Abraços

  4. Ana Carolina

    Que experiência maravilhosa! Adoro conhecer a cultura dos lugares que visito e com um bom vinho então, fica melhor ainda! Ótimas dicas

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