O que perdi morando no exterior

postado em: Vida na França | 13

25 de março de 2019 completamos nove anos morando em território francês. Sempre gosto de fazer um balanço quando este aniversário se aproxima, uma retrospectiva do que vivi e aprendi. Desta vez o que me veio de forma bem recorrente foram as coisas que perdi morando no exterior ao longo desse tempo. Porque perdas também fazem parte da vida e dos aprendizados que temos, e porque a vida no exterior não é um parêntese cor de rosa na vida. É vida igual, num país com idioma e costumes diferentes.

Eu moro onde vocês passam férias, mas também passo perrengues aqui, tem altos e baixos, tem coisas que fazem a gente pensar “só na França mesmo” enquanto na verdade o resto do mundo lida com os mesmos problemas, de formas diversas.

O que perdi morando no exterior

Perdi as referências temporais construídas ao longo de uma vida morando no Brasil.

Já medi o tempo com base no calendário escolar de setembro a junho quando estava no mestrado, com base nas estações do ano, com base nas férias escolares quando trabalhei com crianças, e tendo os meses como referência. Pra mim, o sentimento de que o ano começa em janeiro se perdeu. O ano começa em setembro, é quando fazemos os planos pras viagens, pras férias até agosto seguinte, os projetos são iniciados, guarda roupas descontraído de férias vai dar lugar às roupas de outono mais ou menos sóbrias.

Perdi as referências culturais como forma de interação.

Talvez seja a parte da integração mais delicada, pois sei quem é a Xuxa, mas não cresci cantando Chantal Goya. Li as revistinhas da Turma da Mônica, da Turma do Bolinha e Luluzinha, os álbuns “Amar é”. Cantei as músicas do Balão Mágico. Hoje leio pro Vic livrinhos do Tchoupi, Petit Ours Brun, Astérix e Smurfs, além daqueles da minha infância através dos gibis da Turma da Mônica – graças ao Chico Bento consegui mostrar pro Vic quem é a Mula sem Cabeça, o Saci, Curupira, Boitátá.

Perdi o medo de dizer e ouvir “NÃO”.

Não foi uma perda exatamente, foi uma libertação. Libertação do medo do que vão pensar de mim se eu recusar um convite, por incompatibilidade de agenda ou por falta de interesse mesmo. E, na mesma medida, perder o medo de ouvir um não – ou vários. Porque ouvir “não” é tão natural quanto poder dizê-lo. Parece besteira, mas poder me comunicar de maneira mais direta, sem a necessidade de dar mil explicações por medo de magoar o outro. Muitas vezes fazendo sacrifícios para agradar, acabava me vendo em situações onde estava claramente pouco à vontade, justamente por ter dificuldade em dizer não.

Perdi a vergonha de pedir ajuda.

Sim, pedir ajuda é uma das minhas maiores dificuldades. Não é um processo inteiramente finalizado, ainda hesito em pedir ajuda, mas melhorei bastante. Já pedi ajuda pra vizinhos – vez ou outra preciso deixar o Vic na casa da vizinha, e o mesmo acontece com ela, quando fico com a filha.

Leia também: Estaca zero, começando a vida em outro país

Perdi pessoas queridas.

A despedida sempre acontecia por antecedência. Perdi amigos para acidentes, doenças. Perdi animais de estimação, as despedidas mais doídas. Perdi eventos marcantes nas vidas de familiares e amigos. Não pude abraçar minha mãe no dia da sua segunda formatura universitária. Ou minha amiga de infância quando seu bebê nasceu apressadinho. Também não estarei presente quando o bebê de outra amiga de infância chegar ao mundo. Mas perdi o medo de interagir de forma diferente: felizmente, a internet me aproximou de muitas pessoas.

Nem só de perdas se fez minha vida no exterior

Esses nove anos morando aqui não foram uma coleção de coisas ou eventos que perdi morando no exterior. Ganhei muito em termos de experiência, de vivência, de autoconhecimento. É bem clichê, mas aprendi a identificar melhor meus limites, à admitir minhas falhas. Aprendi a ver o copo meio cheio, além de só meio vazio. Aprendi a enxergar sucesso onde até então só tinha visto fracasso, perda de tempo, de energia, de esforço.

A intenção do texto foi mostrar que, apesar de morar no destino de férias de muita gente, a vida aqui é feita de altos e baixos, como em qualquer lugar do planeta. Os baixos nem sempre viram foto publicada em Instagram, mas viram adubo pra aprendizado.

Os posts dos anos anteriores

13 Responses

    • Natalia Itabayana

      Acho que foi uma das coisas que mais me facilitou a vida, me libertar do “ai mas o que vão pensar se eu disser não?”

  1. Simone Garcia Messias

    Olá, Natália. Como é bom ler um simples e sincero relato desse. Aqui no Brasil, como deve saber, está tudo tão ruim que sonhamos diariamente em sair correndo para outro lugar e morar na Provence, na Toscana… parece sonho, mas a vida não é só feita de férias…
    Obrigada pelo deleite…
    Bjs Simone

    • Natalia Itabayana

      Sei bem como é Simone! A gente vê de longe uma pontinha da vida de quem mora no exterior e compartilha, mas ignoramos muitas vezes as dificuldades que existem. Nas férias tudo flui bem, estamos livres de compromissos, mas no dia a dia de fato tem perrengue pra enfretar, mas em outro idioma, outra cultura
      Obrigada pela leitura

  2. Érika Goldemberg

    Nossa,fiquei emocionada com seu texto, é bem isso,estou morando aqui em AIX en Provença a oito meses por conta do serviço do meu marido e me identifiquei muito com seu texto, muitíssimo obrigada por expressar com tanta clareza sentimentos que se escondem somente na almas de pessoas tão sensíveis.?

    • Natalia Itabayana

      Ei Érika! Bem vinda!
      Acho que o exercício mais difícil e importante é encontrar o equilíbrio na balança entre saudade e vontade de viver novas experiências, né? Courage pra você e obrigada pela leitura!

  3. Andrea

    Essa coisa do dizer não é meio cultural né? Acho que um pouco de imaturidade ou arrogância do povo brasileiro de se achar mais importante do que os outros e não pode receber um não que é quase uma afronta…
    Agora você podia fazer um outro post sobre “o que você ganhou”. Não sei se já tem…

    • Natalia Itabayana

      Andrea, o que sentia era uma necessidade muito grande de precisar a todo custo mostrar que a recusa não tem nada contra a pessoa em sim, mas é uma incompatibilidade de agenda ou qualquer outro motivo. Hoje percebo com muita clareza que somos educados a não dizer não diretamente. Damos a volta ao mundo em explicações, mas o não ainda é visto como má vontade, às vezes até ofensivo.
      Listei no fim do post agora os outros textos que escrevi, e tem muitos ganhos sim!

  4. livia

    Nossa eu amei seu texto……me vi em varios momentos……moro na suica a 3 anos e senti mto do que vc falou sobre medos e autoconhecimento……super obrigada por compartilhar sua experiencia e seu aprendizado……

    • Natalia Itabayana

      Obrigada pela leitura, Livia!
      É bom a gente poder saber que não é sozinho nessas caminhadas, né?

  5. Ilma

    Olá, moro em Portugal e levo um choque quando levo um não bem na lata. Pra mim aquele : olha sabe o q q é…, então, pode ser, vou tentar …. Sinto saudades. Mostra q se importa com o outro.

  6. Marina

    Natalia, encontrei seu blog, procurando roteiros pela provence, mas me encantei com seus relatos. Imagino sim que nao sejam só passeios o morar em outro país. Espero ano que vem ir novamente para provence, e poder usar do seu serviço, mas ate isso, vou seguindo vc por aqui. bj

  7. Débora

    Bom dia Natália,
    Obrigada por esse posto. Me identifico muito com ele. Eu tbm moro aqui no sul há mtos anos e me sinto mto isolada e com falta de conversar com alguém que conheça a nossa cultura. Existe uma comunidade de brasileiros no sul da França? Eu moro no Vaucluse.
    Obrigada

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